sexta-feira, junho 20, 2008

O cabelo ruim

(texto grande, aviso antes que os preguiçosos fiquem bravos)

O povo se ofende fácil quando o assunto é “cabelo ruim”. Se você nasce com a maldição do cabelo ruim, o estigma ficará com você, grudado em seu couro cabeludo gritando todos os dias que “seu cabelo é ruim”. Ter cabelo ruim parece algo de baixo nível, de falta de cuidado, de desleixo e até, ouso a dizer, classe social. Mas isso não passa de preconceito.

O cabelo ruim não escolhe onde nasce. Pode pertencer a uma rainha européia ou a uma rainha de bateria. É incontrolável, genético, uma falha de bulbo capilar. Pessoas da mesma família têm cabelos bons e cabelos ruins. Assim como ninguém escolhe nascer de olhos azuis, ninguém escolhe a textura cabelo. Se você minha amiga ou meu amigo tem o cabelo ruim, não se sinta mal, não mate sua coleguinha de sala, não fique ofendido como se tivessem xingado sua mãe. Acontece, é normal e não é sua culpa. Existem métodos para enfrentar o problema, produtos, tratamentos, plantas medicinais, simpatias... Mas cá entre nós, o cabelo ruim SEMPRE dá um jeito de aparecer e trazer com ele, a depressão. Eu sei. Eu conheço de perto.

Eu não tenho cabelo ruim, porém, membros da minha família o tem. Não posso falar quem são senão ficarão profundamente ofendidos , mas o pior era ouvir um deles dizendo “sua vibora, nasceu de cabelo bom!”. Sim, esse é o grau ofensivo que eu recebia pelo fato de não partilhar da “cabeloruinzisse” de minha família. Cresci vendo produtos, escovas e chapinhas espalhadas pela casa nas festas de família. “Corre no sangue” certa vez me disse uma tia. “Não poupa ninguém” uma prima me contou enquanto aquecia os bobs elétricos. A maldição mais parecia um conto do Poe. Como se quem tivesse o cabelo ruim se transformasse em lobisomem na lua cheia. Se bem que quando o tempo estava úmido, os humores mudavam. A umidade do ar eletriza. O troço arma e vira um monstro incontrolável, com vontade própria.

Em minha família era hábito comum antes dos bailes, aqueles de clube de cidade pequena -muito populares no passado, usarem ferro de passar no picumã. Esticavam a cabeça sobre a cama, e em uma fila de mulheres, tias, primas e irmãs, como uma procissão, iam alisando o penteado antes de colocarem o vestido de tafetá e renda. Algumas delas acabaram rendendo-se à moda do permanente nos anos 70 e 80. Outras viviam no salão fazendo escova. Até os homens sofriam com isso, sempre enfiando a cabeça em bonés ou radicalmente raspando tudo. Já ouvi uma menina dizer a um parente meu “seu cabelo parece pêlo de cachorro”. Crueldade pura e simples?

O fato é que o cabelo ruim existe, e nesses tempos de chapinha e escova progressiva, ele se tornou um segredinho sujo. Como todo mundo pode se dar ao luxo de ficar com os fios lisos feito índio, o cabelo ruim ficou escondido embaixo do formol. Sendo assim, parece que é pior ainda alguém manter os cabelos em seu estado “ruim”. Ninguém mais entra na loja de cosméticos com um lenço amarrado na cabeça e de óculos escuros, buscando um tubinho de Alisabel. Ninguém mais trafica receitinhas de alisantes caseiros. O cabelo ruim é coisa do passado. Mas verdade mesmo é que ele nunca deixou de existir. Ele está lá, prestes a crescer, apontar na raiz e dizer mais uma vez “EU SOU O SEU CABELO RUIM”. Isso causa lágrimas, revolta, ódio, frustração e sim, instintos assassinos.

Uma vez vi uma pesquisa idiota que perguntava aos homens:
“Você ficaria 3 anos sem fazer sexo para ganhar uma Ferrari?”
As respostas de dividiram, mas a maioria disse “não”.
Agora pergunte a uma mulher:
“Você ficaria 3 anos com seu cabelo ruim para ganhar uma Ferrari?”
A maioria dirá “não, prefiro cortar os pulsos”.
Sem dúvidas.

Atualização: para o pessoal do politicamente correto, terei que explicar que cabelo ruim não é necessariamente cabelo crespo ou enrolado. O cabelo ruim é o cabelo desobediente, que é difícil achar corte bom, nao fica liso mas também não fica cacheado. Fica uma coisa estranha. Só isso.

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